"A morte é um dia que vale a pena viver" de Ana Cláudia Quintana Arantes



Conheci o trabalho da médica brasileira Ana Cláudia Quintana Arantes através de uma palestra do Tedx na plataforma You Tube "A morte é um dia que vale a pena viver". Até aquela altura os cuidados paliativos não eram algo em que pensasse por aí além, talvez ser algo que nunca me afectou pessoalmente.
Na sua palestra, a médica descreve-se como sendo vista como aquela que surge no fim da vida quando já não há mais nada a fazer. No entanto, para ela, esta noção não poderia estar mais errada e destaca o próprio significado do termo pálio, que significa manto ou cobertor, que historicamente se punha nas costas dos cavaleiros nas Cruzadas para os proteger contra as intempéries. A morte iminente pode ser considerada a derradeira intempérie, especialmente quando é acompanhada de sofrimento, pelo que faz todo sentido fornecer este conforto e protecção a quem não tem já muito tempo a perder.
Ana Cláudia Quintana Arantes destaca que as doenças graves e incuráveis têm um ciclo natural, com sintomas médicos que urge tratar, mas que os sintomas emocionais e psicológicos são ricos e complexos, na medida em que cada pessoa sente a dor e a doença numa melodia única. São ainda salientadas as dimensões físicas, sociais (em que se inclui a familiar) e espirituais da doença. Esta noção de espiritualidade não tem de advir de religiosidade em cânones tradicionais mas sim de algo que confira um sentido para a existência, na medida em que viver se transforma num acto de entrega consigo mesmo, com o outro ou até mesmo com o próprio Universo. 
A ideia subjacente é que somos muito mais que um corpo com componentes biológicas, o ser humano é único e não é replicável. A ciência é baseada em evidências, o cuidar é uma arte feita de dar valor à vida, de maneira consistente. Para a especialista, basta um olhar diferente, mais caloroso para revistir a partilha entre médico e paciente de uma essência muito mais humana, de amorosidade, generosidade e sabedoria. 
Perto do fecho de ciclo de vida terrena, é possível reconciliar, entender profundamente relacionamentos e salvar uma vida com V, maúsculo.
Gostei imenso desta palestra que recomendo vivamente pela maturidade, tranquilidade e lucidez que é veiculada. A Doutora Ana Cláudia Quinta Arantes dá-nos um olhar muito acutilante, experiente e sensível sobre as pessoas no final de vida, rompe com tabus sociais, pois a morte é um assunto que não deve ser varrido para debaixo do tapete por ser alegadamente demasiado mórbido ou incómodo. 
Precisamos falar sobre o processo de morrer para aprender a melhor viver.






Depois de ver a palestra tive curiosidade para ler o livro homónimo "A morte é um dia que vale a pena viver", para ficar a conhecer melhor os princípios defendidos pela Doutora Ana Cláudia Quintana Arantes. 
Foi uma leitura muito enriquecedora, um mergulho numa realidade que erradamente pensamos que será deprimente mas que nos mostra a verdadeira beleza da vida, ou seja, que mesmo quando alguém parte fisicamente, nos deixa lições de renovação e motivos para fazer da alegria uma rotina. 
A nível de formação médica, Ana Cláudia Quintana Arantes especializou-se em Geriatria e Gerontologia, fez pós graduação em Psicologia- Intervenções em luto, é sócia fundadora da Associação Casa do Cuidar, Prática e Ensino em Cuidados Paliativos, entre outros cargos de destaque na área. Ministra ainda aulas livres, cursos e debates sobre o tema. O livro dá-nos uma reflexão muito interessante sobre a sua carreira e como esta se intersectou com as suas motivações pessoais. 
Em suma, o trabalho incansável desta médica incide sobre a necessidade de sabermos cuidar de nós para cuidar melhor o outro, na importância da qualidade de vida e de nunca esquecermos que um dia vamos morrer e que cada dia em que respiramos devemos praticar a gratidão por essa dádiva.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O talento de Mira

As cicatrizes das famosas

A história de Marla