Como viver na era digital


Neste livro da série The School of Life, o autor Tom Chatfield urge-nos a repensar a forma como nos relacionamos com a tecnologia e a encará-la não de modo abstracto mas avaliando as experiências que nos proporcionam, ou seja, uma tecnologia da mente e da experiência. O mundo digital serve como um amplificador da natureza humana, da nossa complexidade e tanto pode funcionar como uma válvula de escape da realidade como para fomentar a conexão.
É importante reflectir sobre os nossos momentos conectados e desconectados, pensamentos e acções, o nosso conjunto diferente de possibilidades e consolidar todos no nosso estilo de vida.
Se antes a pergunta predominante segundo o escritor era "Quem és tu?" agora é "O que estás a fazer?". Vivemos no que o crítico literário americano Fredric Jameson denominou de presente perpétuo, a incapacidade de reter o próprio passado. Esta situação pode levar a saturações, stress, ansiedade e sensação de perda de controle. O tempo é a única quantidade sobre a qual toda a tecnologia do mundo não pode invocar nem uma partícula a mais. É preciso ter uma existência que filtre o volume colossal de informação a que estamos expostos. Métodos como "escutar primeiro, escrever mais tarde" usados em conferências e seminários mostram como o nosso cérebro ainda tem de mostrar versatilidade em digerir e relacionar conteúdos para fazer novas aprendizagens. 
De facto, a idealização do ser multitarefa que consegue fazer tudo de forma exemplar ao mesmo tempo é um mito. A escritora Linda Stone cunhou o termo "atenção parcial contínua", que se refere a prestar atenção simultânea a um nível diversificado de informação mas de maneira superficial. 
Tom Chatfield fala de como a Internet está a alterar a nossa memória, a nossa história. Aquilo que aprendemos não está compartimentado e depende do nosso raciocínio e sentimento. A nossa memória possui a sua individualidade própria, é contigente, existe no tempo, muda com o corpo e vive processos de adaptação. 
À crise de valores e de autoridade que se vive juntam-se preocupações de ordem intelectual e cultural. De que forma a Internet pode promover a democratização no seu sentido mais amplo? Como ultrapassar a bifurcação entre a especialização e a cultura popular? 
Há uma guerra de culturas. Se os objectos que anteriormente competiam pela atenção do público eram milhares agora são milhões. Aplicando-se o princípio de que só os mais fortes sobrevivem (tornando-se então clássicos) parece haver uma nova autoridade neste quesito: a popularidade.
Chatfield considera que a Internet pode ser um veículo de promoção da excelência, do espírito crítico e da criatividade. Pode estimular o conhecimento profundo dos campos em questão, apresentando a cultura de moldes diferentes em que foi concebida, o que tem de ser feito de modo conjunto. 
Se antes se pensava que a sexualidade iria dominar a Internet agora verifica-se que a pornografia é como Chatfield a apelida apenas um "gueto", que a Internet é como uma cidade com partes independentes sem completo controle sobre si mesma. É uma forma de procurar recompensas imediatas, de alienação ou de conforto. É mais do que a interacção com objectos, pode ser uma expressão de sensibilidade. Podemos dividir uma grande fatia do nosso tempo a conviver com máquinas mas isso não significa que tenhamos de nos tornar menos humanos. Em vez de ser um matrix, é possível para o mundo digital primar pela simplicidade.
Como regra geral, o autor aconselha-nos a não dizer nada em modo online que não diriamos pessoalmente e estar alerta para o abuso das minorias sob o embrutecimento da maioria. Alerta para o problema da imersão tóxica, que pode prejudicar a nossa capacidade de julgar os factos e agir de acordo com a nossa consciência e emoção. 
Falando sobre os jogos electrónicos, Chatfield descreve-os como um passatempo universal agradável e prazeiroso de grande importância que serve para extinguir o tédio e premiar o esforço, num ambiente que define como tame (orientado para a solução dos problemas) face ao wicked, que é a vida. É sublinhada a previsibilidade, a possibilidade de repetição, a capacidade dos jogos de tornarem a realidade melhor. Do mesmo modo que pintar uma vedação pode ser uma experiência envolvente se a ela associarmos um sentido de realização pessoal, os motivos digitais também o podem ser. É preciso que os sistemas de educação acompanhem estas mudanças. Já é possível, usando um modelo de engenharia reversa, ampliar o potencial de aprendizagem através de mundos e espaços artificiais.
O autor argumenta que é premente não confundir prazer e alívio momentâneos oferecidos pelos sistemas virtuais com a tarefa confusa e imperfeita de nos tornarmos cada vez mais humanos.
A nível político este surge mais como uma franquia do que como operações partidárias tradicionais minuciosas. É frisado o movimento "occupy" contra grandes corporações e a necessidade de examinar o impacto da tecnologia nas arenas sociais e culturais em que opera na medida em que há novos modos de acção política concebidos pelas redes digitais. O ser humano, precisa de perceber o que acontece em torno dele e avaliar aquilo em que acredita, compartilhando e transmitindo as suas impressões. Há cada vez maior facilidade em organizar formas maciças de acção.
No entanto nem sempre tecnologia equivale a liberdade, temos o caso da China em que existe espionagem e censores poderosíssimos a proteger os monopólios. No entanto há cada vez mais uma afirmação dos cidadãos em detrimento das autoridades centrais, nos chamados pregos virtuais. 
A Internet não é um fantasma infinitamente maleável mas uma entidade física concreta. A política deve aproximar-se das camadas mais baixas da sociedade e não estar apenas nas mãos de uma elite. As estruturas abertas da tecnologia digital são um legado moderno único a passar às gerações seguintes.
As forças que moldam actualmente o nosso futuro político são fluídas e desenvolvidas em comunidades, movimentos e interesses interligados. É urgente potenciar formas de inclusão mais abrangentes que espelhem sabedoria, ambição e confiança na capacidade colectiva de acção. A natureza das experiências é mais importante que as ferramentas utilizadas, tem de haver um equilíbrio entre novos hábitos de pensamento e acção, entre as novas formas de ser e de pensar vivendo nesta pressão de estar constantemente conectados. 
Viver de forma crítica implica não habitar como se fosse uma paisagem, saber compartilhar bem e não ser automátos de auto-satisfação e distracção. É no fundo, estar atento e comprometido. Somos a medida do nosso próprio sucesso. Tom Chatfield fala-nos do termo cunhado por Artistóteles de eudaimonia, viver no sentido mais humanamente possível que se relaciona com o bom, com um espírito guardião, com o sentimento de ser observado por uma entidade divina, buscando a virtude e a excelência. Procurar as formas mais nobres da realização humana e desenvolver o potencial mais notável no campo mental é essencial assim como compreender que as identidades têm pouco significado fora do contexto em que as inventamos e reinventamos constantemente.
Há biliões de seres humanos neste planeta e as máquinas são uma oportunidade inédita de acção e reflexão. Para o autor de "Como viver na era digital" prosperar significa enfrentar desafios, ligar, carregar, sintonizar e descobrir juntos em que nos podemos tornar.

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