Dos afectos

Há alturas em que a vida parece avançar o mais morosamente possível, tão devagar como um caracol. Temos pressa de ir, de avançar, de chegar. E no entanto estamos paralisadas por qualquer razão que nos trava os movimentos. Um momento de antes e depois. Que nos divide ao meio como a espada da parede. Demasiados estilhaços das vezes em que tentámos e nos desiludiram e pisaram, tornando-nos cristais quebrados. Quão grande seremos para suportar as intempéries, para consertar o que não está bem?
Será possível estarmos para além de qualquer salvação? Vivermos demasiado fragmentados, em caixinhas mal feitas que não permitem que venha uma cola toda poderosa que una isso tudo? Desdobramos-nos para sobreviver, vamos deixando uma carga para trás mas construímos as tais caixinhas a pressa e é por isso que ainda sofremos tanto. Porque ainda não compreendemos totalmente. Porque ainda não aceitamos. É tempo de assimilar o que já se tornou parte essencial de nós e jogar a um rio qualquer o que não importa.
O que nos faz sentir inteiros, o que nos salva não é ter uma profissão, estatuto, dinheiro. É a qualidade com que nos relacionamos com os outros seja família, amizades ou animais de estimação. São eles que nos conhecem, são eles que apanham os cacos de cristal do chão e nos recordam quem éramos e ainda somos. O manto dos afectos é o único que quando nos cobre nos pode dar calor duradouro, entendimento e serenidade. É o único pelo qual vale realmente a pena lutar.

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