Da perfeição possível


O que existe de puro ou verdadeiro num lugar onde as palavras perderam o significado e tudo se tornou tão vulgarizado que se cobiça apenas o que pode ser comprado?
Nas palavras da escritora francesa Anais Nin "A obediência à realidade significa uma debilidade no amor". Se não é possível ver-se para além das formas que tanto nos enganam o olhar, não se pode ir mais além. É como estar morto antes de poder viver em pleno e vamos agonizar, não importa o quanto tentemos escapar. Num mundo perfeito  não haveria inquietude, problemas ou a mínima perturbação, não íamos sofrer pelas pessoas que nunca perdemos ou que nunca tivemos. Não iríamos entrar em jogos cruéis nem cínicos uns com os outros. O amor nunca seria unilateral e devastador e sim reciproco e fortificante; não daria vontade de morrer mas de renascer vezes sem conta em encarnações cada vez mais espectaculares até não poder ser medida tanta beatitude. Mas seria o mundo perfeito então? Não sentiríamos saudades de invadir o coração dos outros tão desastradamente como uma criança pequena a avançar no escuro? E ainda assim viver teria a parcela indefinivel e indecifravel a que a lumoniosidade não chega jamais. 
Por vezes somos como praças inteiras populadas de bulício e energia, outras vezes sobre como ilhas desertas e vazias em que permanecemos com a desculpa que é melhor estar sozinho do que sair e procurar companhia. Melhor não sentir nada do que sentir demasiado.
Ninguém é perfeito, nunca será, não há como quebrar o molde petulante da irredutibilidade que voa como abutre nas nossas cabeças, lembrando-nos que no final estará presente para transformar todo o nosso corpo em cinzas até se desvanecer no nada.
De que vale o amor quando o mundo não tem o mínimo vestígio de esperança? Não tem pedras filosofais, unicórnios, dragões nem feitiços que apenas um beijo pode quebrar. Não tem tonalidades cor-de-rosa ou vermelho coral quase infinitas. Vale pela possibilidade da transparência, de chorar quando há dor, de sorrir na alegria, de ser cobarde ou colocar-se na linha da frente, de  querer tanto e amar demais, loucamente, descuidadamente, só por uma vez na vida. 
Vale para darmos aos outros um pedaço de nós que pode não ser eterno mas que pode ser partido, apenas com um movimento em falso ou uma resposta errada, tão facilmente como cristal. Vale por todas as imperfeições juntas que num todo são tão hipnotizantes e preciosas que quase se tornam a perfeição: magnífica e total.





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