As virtudes da nostalgia



Ao olharmos para o nosso passado em retrospectiva podemos ter saudades de um tempo em particular: a inocência da infância, a despreocupação juvenil, a alegria das tardes de Verão cheias de sol e riso. O sentimento de nostalgia surge quando idealizamos o que já aconteceu. Ao sabermos que não podemos mais a ser como fomos, acabamos por ansiar e desejar submergir-nos nesse estado, factual ou irreal. Queremos permanecer num tempo e história em que já passou por nós e tecemos fantasias e pensamentos para recuperar, ainda que fugazmente, aquela sensação de magia.
Há quem defenda que a nossa identidade não existe por si mesma e apenas se constroi através da nossa relação com os outros. A individualidade é encarada como uma ilusão e conceptualiza-se aquilo a que se chama ferida narcisistica do eu. 
Existimos em função de um prisma físico, um corpo concreto, objectivo e biológico, constituído por células e órgãos que realizam a sua função e nos permitem viver. É, simultaneamente um corpo que visa satisfazer as suas necessidades, exprime emoções distintas e, para os crentes, é feito à imagem e semelhança de Deus. Acaba por ser assim um invólucro em que o terreno e o sagrado se cruzam, onde co-habitam várias dimensões: de intimidade, empatia, proximidade ou perda. A afirmação do ser processa-se através de sensações físicas e psíquicas, que nos permitem regular, desenvolver mecanismos de defesa e de continuar a sobreviver. Simultaneamente efectuamos projecções mentais, vinculamo-nos aos desejos e pulsões inconscientes através dos nossos sonhos. Neles espelhamos as nossas referências mais profundas, as ideias em estado bruto, sem serem submetidas ainda a auto-censura.
A nostalgia exprime uma vontade de escape, de viver uma realidade paralela, da nossa tendência para nunca estarmos bem no lugar onde nos encontramos. É um estado de alma com que temos de aprender a lidar porque é muito recorrente. Afinal, ninguém pode ter tudo, pelo menos não ao mesmo tempo e fixamo-nos sempre, quase obsessivamente,  no elemento em falta. 
Temos saudades do que nunca fomos, do que nunca vivemos, do que nunca fizemos. Olhamos para fotos de outras épocas e sentimos de forma visceral que devíamos estar lá, que mergulhávamos de bom grado na fotografia, sem nunca mais voltar ao presente. É na nostalgia da experiências vividas ou das apenas imaginadas, que encontramos significado, que reorganizamos esquemas mentais, que aliviamos mal-estar proveniente de outra fonte. Num minuto podemos ser mil e uma profissões, todos os aspectos físicos, histórias familiares e viver em qualquer país do globo. E quando essa idealização acabar vamos sentir nostalgia pelo que era apenas produto de uma ilusão. Mas as ilusões são matrizes plenas de representatividade, sentido e representatividade e são elas que tornam a vida mais rica e condigna.




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