Afirmação pelo desejo

Num artigo muito interessante, escrito na revista de Oprah Winfrey "O", Mark Epstein reflecte sobre a forma como aquilo que desejamos diz ago acerca de quem somos, sendo que nas suas palavras "Eu quero, logo existo". Epstein fala como revelar os nossos verdadeiros desejos pode ser uma experiência aterrorizante mas simultaneamente libertadora. Começa por falar de um caso distinto em que numa maternidade se observou que um bebé recém-nascido do sexo masculino tinha estes dizeres à sua frente "Eu sou um rapaz", enquanto que uma bebé, do sexo femino, era identificada como "É uma rapariga". No entender do escritor, este é um erro óbvio em que aos rapazes é dado um sentido de identidade e em que as raparigas são tratadas como meros objectos, desde que vêm ao mundo.
Pode-se assim extrapolar que a cultura reforça mais os desejos masculinos, próprios do sujeito individual do que os femininos. Naturalmente, as mulheres estão mais habituadas a satisfarem as necessidades dos outros e a corresponderem às expectativas que têm delas, do que a evidenciar a sua própria voz, ou seja, a afirmarem-se como subjeitos. O autor do artigo vai mais longe e afirma mesmo que ter um desejo pode quebrar com os condicionamentos familiares e culturais e ser ameaçador à manutenção do status quo.
Uma das razões porque frequentemente temos medo de expressar as nossas vontades é o medo: medo de não sermos aceites, apreciados, de sermos rejeitados e consequentemente votados ao ostracismo e solidão. E o medo pode ser um agente coersivo muito forte. Dentro de estas pessoas, que não ousam ser verdadeiramente elas próprias, destaca-se um problema comum de que muitas padecem: a necessidade auto-limitadora de agradar aos outros, cuidar e ser responsável por eles numa rede adaptativa de que não conseguem sair porque simplesmente não conseguem imaginar que outro modo de vida seja possível.
Urge então perguntar nestas alturas "O que é que eu quero?", em oposição ao "O que é que as outras pessoas querem que eu faça?".
Ser um objecto por vezes apresenta-se como uma ideia bastante sedutora, é apenas uma imagem sem verdadeiro significado ou conteúdo, uma identidade falsa que mantém o seu portador longe de conflitos. É neste contexto que Mark Epstein defende o amor mútuo como uma solução muito importante e com um extraordinário poder de cura, se o amor vivenciado for incondicional, de aceitação completa, que promova o autêntico eu das pessoas envolvidas e os faça crescer a todos níveis. É aí que reside a força de uma relação, que nunca pode ser estática ou absolutamente estável. É uma construção que como tal tanto pode florescer como desabar em ruínas. De acordo com o autor, ser um "eu" é uma propriedade que não pode ser capturada nem definida. É do facto de estarmos em contacto com os nossos desejos que nos traz uma maior confiança e poder pessoal. Ao permitirmo-nos não negar o que queremos, reforçamos o nosso direito a não sermos uma coisa objectificável, a sermos humanos mais livres e genuínos.

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