Histórias de amor: o bom, o mau e o incerto

Quando uma história de amor começa tudo parece perfeito: os olhos brilham mais do que todas as estrelas do céu, sorrimos por tudo e por nada, acordamos a ver tudo colorido e com uma energia avassaladora para fazer o que quer que seja. Até somos capazes de pensar que o mundo é um sítio bom para viver, no final de contas. Por que estamos apaixonados tudo parece estar no lugar certo, na ordem correcta, no momento exacto. Uma brisa mágica e sagrada parece envolver-nos. Não podemos evitar essa sensação de ser imortal, invencível, de poder levitar e de voar. É o que amor faz. Fazem-se planos a dois para um futuro risonho, projecta-se uma casa maravilhosa, viagens inesquecíveis, metas para alcançar. Há brio, esperança e capacidade de sonhar até não mais poder. O sonho torna-se de certa forma a nossa vida porque a maneira como agimos e nos comportamos é condicionada pelo mundo interior que levamos dentro.


Os momentos passados são de uma alegria arrebatadora, quase euforia. As horas transformam-se em segundos, parece não haver tempo suficiente para expressar todo o nosso amor, demonstrá-lo de todas as formas possíveis e imaginárias. Parece não haver nada que o possa conter, nem limites, nem fronteiras. Não cabe em espaço algum, torna-se um fogo que arde sem a nossa intervenção. Não somos donos dele, ele é que dono de nós. Quando esse amor corre da maneira que queremos é como se tudo o resto na vida fossem benesses, todas as outras ocasiões felizes vêm por acréscimo porque o que realmente nos importa, o que é a nossa prioridade é estarmos com essa pessoa que nos faz sentir mais do que alguma vez pensamos ser. Mais belos, fortes, mais dignos de amarmos e recebermos amor em troca. É como se nos víssemos num espelho completamente diferente em que a luz incide de uma forma especial, devolvendo-nos um reflexo em que nos vimos muito melhores do que pensávamos.  E acreditamos que tudo se deve ao outro, que ele é o centro da nossa existência, a quem recorremos para buscar motivação e vontade de realizar, de acreditar, de nos tornarmos extraordinários.


Então, uns meses ou anos depois surge um momento em que algo se quebra neste encanto em que habitávamos e percebemos que a história de amor que julgávamos ideal não é tão ideal assim. Pelo contrário, há obstáculos que não temos a certeza se conseguimos atravessar, coisas que não nos agradam naquele que julgávamos o amor das nossas vidas, coisas que nos enfurecem, entristecem, que nos humilham. Que nos fazem questionar o sentido de tudo, em que nos sentimos que as nossas necessidades estão a ser negligenciadas substituídas por uma realidade estranha, de desligamento e indiferença que apenas rezamos para ser passageira. É quando passamos noites em claro meditando se vale a pena tentar consertar o que parece estar danificado, se queremos mesmo continuar ou desistir de vez, se vale a pena ter paciência e compreensão. Acima de tudo não queremos sofrer mais e não sabemos se essa pessoa que tanto amamos pode mudar e deixar de nos magoar. Enquanto tomamos vagarosamente o nosso chá ou café e choramos uma ou outra lágrima teimosa apenas temos a certeza de uma coisa: que tem de haver uma mudança de algum tipo.


Olhamos para dentro de nós e o nosso coração está vazio. Tão vazio que nos surpreendemos por não ouvir um eco quando este bate e tão frágil que nos surpreendemos por este não se desfazer em pedaços em vez de bombear o sangue, copiosamente, para todo o nosso corpo. É quando percebemos que demos mais de nós de que alguma vez nos foi retribuídos, demos até não haver lá mais nada, até ficarmos drenados como uma terra infértil, numa esterilidade completa e debilitante. Na angústia e pressa de viver o amor esquecemo-nos de quem erámos antes de sermos envolvidos por esse turbilhão, do que sonhávamos antes de todos os sonhos não passarem só por nós próprios. Perdemos o rumo e o vazio que sentimos tem como função alertar-nos e informar-nos que não podermos fazer mais dádiva alguma enquanto não nos enchermos, como a um poço aberto pelas torrentes de chuva, a nós mesmos. Temos de ser um pouco egoístas e auto-analíticos para voltarmos a ter capacidade de entrega e generosidade.


Por isso não devemos temer a escuridão porque é através dessa passagem que nos veremos outra vez com clareza, com profundidade como realmente somos. Essa dor faz parte de nós e enquanto recusarmos enfrentá-la, enquanto a varrermos para debaixo do tapete nunca entendemos o nosso lado vulnerável, desprotegido, que tem uma pressa sôfrega porque não sabe lidar com as ameaças do tempo, com a solidão pesada, com a insegurança de que a vida ser uma história que não sabemos como vai acabar. No amor pelo menos esse final não é da nossa inteira responsabilidade, é feito em conjunto. O que somos para além das outras pessoas é o nosso reinado, é o ouro no silêncio e a preciosidade da união com todos os nossos "eus". E essa história só as nossas mãos podem escrever.


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