Todos temos direito aos dias não
A sociedade bombardeia-nos com comidas saudáveis, comportamentos ditos normais, com um sorriso impecável tipo pasta de dentes. Aceitação. Submissão. Calma. Parece ser esse o ideal e vemos as redes sociais como janelas para um estilo de vida que podemos chamar de estandardizado, esterilizado, um pouco à semelhança do leite pasteurizado. Uma vida que é de qualidade o tempo todo, sem qualquer tipo de impurezas e imperfeições.
Habituámos-nos a construir armaduras à nossa volta, a fazermos-nos de fortes quando nos sentimos prestes a desmoronar. A tentarmos colar um coração partido com fita cola, o que de pouco serve porque as verdadeiras feridas continuam abertas, a arder, a sangrar, a fazer sofrer.
É mais do que sabido que não devemos basear a nossa sanidade mental nas aparências, nessa Internet que é uma versão muito polida e por vezes adulterada (com muitos efeitos visuais à mistura) das nossas vidas. Afinal, como diz em "O Principezinho", o essencial é invisível aos olhos.
Há dias em que nada parece correr bem, em que não dormimos o suficiente, em que a pele não brilha ou ficou com as marcas da almofada e o cabelo ganhou um jeito estranho. Há dias em que temos de escolher entre a simplicidade da clareza e a complexidade de águas turvas, em que podemos permanecer no mesmo lugar na nossa zona de conforto, ao sabor da corrente ou remar contra a maré. Não cabe a nós julgar os outros e apontar o que é certo ou errado, só podemos fazer o melhor por nós mesmos e pela nossa felicidade.
Por vezes o normal é não dizer sim a tudo, são dias em que comemos comida de plástico, em que somos contestatários, em que não sorrimos e às vezes choramos. Esporadicamente, temos de exprimir revolta, raiva e agitação porque a inquietude para além de ser própria dos tempos em que vivemos, é própria do ser humano.
Habituámos-nos a ser curadores de imagens, a tratá-las com um esmero que talvez não mereçam porque se é verdade que uma imagem é poderosa também é verdade que é um nível superficial de entendimento das coisas.
Mantenhamos por isso os corações abertos mesmo naqueles dias em que estamos tristes, sós, ansiosos, assustados, preocupados ou com um rol de queixas na cabeça porque é justamente nesses momentos que mais precisamos de valorizar o ar que entra e sai dos nossos pulmões e nos dá vida. E enquanto há vida há esperança, há possibilidade de transformar um não em sim, o negativo em positivo, as maldições em encantamentos, a mentira em autenticidade. Porque a vida real é aquela bem centrada, com raízes profundas, em que as crenças e valores individuais estão alinhados com tudo o resto, proporcionando harmonia, bem-estar e contentamento.
Que os nossos sofrimentos nos tornem mais compassivos perante a dor dos demais, mais empáticos e mais capazes de exercer a compaixão. Que nunca esqueçamos a máxima de que todos temos direito aos dias não mas também mantenhamos presente que todos temos direito à felicidade.
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