A incerteza da vida

A única garantia que temos ao viver é que todos temos uma carta de chamada que é justamente para a morte. Tudo o resto está entre parêntesis, submetido a condicionantes temporais e de espaço, impossíveis de descortinar. Muitas vezes desejámos ter uma bola de cristal para poder adivinhar o futuro mas mesmo se isso fosse possível provavelmente não levaríamos a ideia avante. Afinal, quando somos paradas no meio da rua por mulheres que nos querem ler a sina o mais natural é sentirmos medo e não querermos realmente saber. Se estiverem desgraças no nosso caminho, não convém sofrer por antecipação e se há alegrias pela frente, não queremos estragar a surpresa.
Viver a incerteza é muitas vezes acompanhado de um sentimento de angústia e ansiedade. Queremos estar onde não estamos e acabamos por não nos sentir verdadeiramente bem em sítio nenhum. Nem sempre é fácil ter serenidade e positivismo. Neste contexto, há dois conceitos que se interrelacionam: destino e livre-arbítrio. Se apenas acreditamos no primeiro somos deterministas, se apenas vemos sentido no segundo somos possibilistas mas talvez a vida seja uma mistura bem apurada dos dois.
O nosso corpo, que torna a nossa vida possível e é por isso um local sagrado por si próprio lança-nos também limites. Dificilmente seremos modelos, atletas ou bailarinas se não temos uma determinada estrutura ou condição física. Uma doença súbita pode ceifar a vida de alguém, independentemente da idade, a qualquer momento. A nossa biologia determina o nosso bem-estar e vice-versa. Mas a nossa vida não é feita apenas de limites e imposições, temos alguma liberdade mesmo que condicionada de tomar as nossas próprias decisões e somos responsáveis pelas respetivas consequências.
A nossa mente faz-se também de um matéria desconhecida e dos pensamentos, emoções e reacções que temos em consciência. A nossa forma de sentir está na nossa natureza, no nosso ADN mas também pode ser trabalhada, reinventada. A Psicologia na Teoria Operatória afirma que todo o comportamento humano resulta da interacção entre o organismo e o meio-ambiente, conjugando-se os factores inatos ou hereditários e os factores aprendidos ou adquiridos.
Existem duas dualidades que se impõem no nosso quotidiano: a mudança e a resistência à mudança. Podemos, nas palavras do escritor brasileiro Paulo Coelho ser como a fonte que transborda e não como o tanque que contém sempre a mesma água. De facto, uma das definições de inteligência diz respeito à capacidade de um individuo se adaptar eficazmente ao ambiente, de superar obstáculos mediante o pensamento, de ter capacidade mental de raciocinar, planear e resolver problemas.
Viver é estar numa plataforma de que não sabemos a consistência nem onde vai desembocar mas que exige de nós diariamente duas qualidades: aprender com a experiência e compreender o mundo à nossa volta. Temos de aproveitar as oportunidades para “transbordar” e iniciar novos capítulos, limpando da nossa alma tudo o que nos causou dor e mal. A incerteza dos dia-de-hoje apesar de desmoralizante e desinspirada, não nos impede de olhar para dentro de nós e iniciarmos um período de renovação.
Não é possível planear tudo meticulosamente, como os itens da nossa agenda, o imprevisto é do que temos de mais real e palpável. Mas temos de reformular os nossos dogmas e ideias pré-concebidas, beber de novas sabedorias, criarmos a melhor versão possível de nós mesmas.
Viver bem é de certa forma aceitar o que a vida nos dá e dar-mos mais de nós a cada dia. Superarmos as barreiras e apesar de nada termos como certo, caminharmos com confiança, à espera que melhores tempos venham, que saia o sol.

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