O adeus a Manoel de Oliveira (1908-2015)
Tal como muitos jovens da minha geração não me lembro de se falar de cinema português sem se mencionarem os filmes de Manoel de Oliveira. As películas do mestre sempre me despertaram curiosidade mas até ao momento com, muita pena minha, o mais próximo que fiquei do seu legado foi com imagens dispersas que vi das suas obras e com um relógio da Swatch de colecção assinado por ele. Sempre dizia que um dia ia estudar as suas temáticas cinematográficas com profundidade mas a sua morte apanhou-me totalmente desprevenida. Como o actor John Malkovish tão bem disse todos esperávamos que Manoel de Oliveira fosse o primeiro homem a não morrer. Em vez disso tínhamos um cineasta de idade avançada (o mais velho realizador do mundo em actividade) com vitalidade, energia e boa disposição, apaixonado pelo seu trabalho, que queria morrer imerso nele, nos seus temas de eleição, nos seus detalhes, no acto de criação. Assumia abertamente a vertente pedagógica da arte "É preciso guardar esse sentimento humanista, que é fundamental. Aprendemos com o que vivemos, com o que sofremos, mas essa aprendizagem só se completa com o lado artístico". Para ele, a arte não tinha uma finalidade útil mas a particularidade de ensinar a condição humana.
Manoel de Oliveira era história viva. Nasceu a 11 de Dezembro de 1908, quando Portugal era um reinado de D. Manuel II. No final da adolescência foi atleta tendo sido campeão de salto à vara e conquistado alguns prémios de automobilismo.
Estreou-se na realização de cinema aos 23 anos em 1931 com "Douro-Fauna Fluvial", uma curta-metragem documental muda e a preto e branco sobre a vida nas margens do rio Douro, com uma câmara oferecida pelo pai. "Aniki-bobó", actualmente considerado uma obra-prima surgiu em 1942. "O pintor e a cidade" (1946) foi o seu primeiro filme a cores. Autor de trinta e duas longas metragens, destaca-se ainda "Amor de perdição" (1979), "Francisca" (1981), "Non ou a vã glória de mandar" (1990), "Vale Abrãao" (1993), "A Carta" (1999), "O quinto império-ontem como hoje" (2004), "Singularidades de uma rapariga loura" (2009), "O estranho caso de Angélica" (2010) e "O gebo e a sombra" (2012).
Nos últimos tempos tinham adoptado o ritmo de rodagem de um filme por ano. Apesar de admitir que gostaria de retornar à juventude vivia desassombrado e com tranquilidade, chegando a dizer "Se há uma coisa que nos torna pacíficos para o bem e para o mal é a morte. Ela é sempre certa e isso dá-nos algum conforto".
Manoel de Oliveira, que atribuía a longevidade a um mero capricho da natureza, enfrentava a falta de apoios financeiros com persistência e tenacidade, tendo sempre duas ou três ideias para mais projectos. Estar detrás das câmaras era, segundo ele, fácil, e esta arte, "uma invenção extraordinária" era a que estava mais perto de imitar a vida.
A curta-metragem "O Velho do Restelo" estreou no dia 11 de Dezembro do ano passado mundialmente no Festival de Veneza (106º aniversário de Oliveira) e foi a sua última obra. Deixou-nos o filme póstumo "Visita ou Memória e Confissões" (1982) que por ter um cariz mais pessoal, o realizador por pudor fez questão que não fosse exibido enquanto fosse vivo.
Falecido no passado dia 2 de Abril o realizador foi a enterrar hoje, Domingo de Páscoa, no cemitério de Agramonte no Porto, terra onde nasceu e morreu que decretou três dias de luto.
"O que me falta fazer na vida é o resto dos meus filmes, que são bastantes. Todos sabemos que vamos morrer. É a única certeza que temos. Não tenho medo da morte, tenho medo do sofrimento. É na vida que se encontram todas as maldades do mundo. A morte é o descanso" rematou o mestre. Agora falta descobrir e repensar os seus filmes.
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