Generosidade
O
mundo em que vivemos põe o ênfase no individualismo e na competição constante. Nunca
parece haver tempo suficiente para todas as coisas que gostaríamos de fazer e
gastamos muito da nossa energia em ansiedade e sofrimento por antecipação.
Muitas vezes somos acometidos pela sensação de nulidade, de nunca sairmos do
mesmo sítio, da vida dos outros ser sempre melhor do que a nossa, de não vermos
uma saída para os problemas, etc.
O
caos pode ser produtivo porque é dele que tudo se inicia, este é em última
instância o material da própria criação. Como dizia Nietzsche “É necessário ter
o caos cá dentro para gerar uma estrela”.
A
nível sociológico absorvemos um discurso voltado para a crise, carência de
oportunidades, de doenças impiedosas e fatalidades diversas. Mais do que nunca,
é preciso lembrar-nos diariamente daquilo que torna melhores, de que no meio de
tanta escassez ainda existe o que nos dê alento e amor. E para estes dois
existirem, tem de haver quem os sinta, reparta essas preciosidades com os
outros para que preciosidades como os menos afortunados para energias e
circunstâncias felizes nunca se esgotem.
Generosidade
é dar, mesmo sem uma razão lógica, porque é simplesmente o que temos de fazer
para nos sentirmos bem, porque ao dividirmos um bem ele passa a ter força
redobrada fora de nós.
Para
René Descartes, a generosidade é um conceito entre a vontade e o entendimento,
que elimina a causa dos erros e nos leva a despertar o real valor do eu.
Não
temos muitas vezes consciência de como as pequenas coisas se podem tornar
grandiosas, justamente por terem acontecido quando mais precisávamos de
qualquer tipo de ajuda. “Aquele que só dá quando lhe pedem esperou tempo
demasiado para dar” é um adágio de William Blake.
A
riqueza interior é mais transformadora do que qualquer valor material porque
está sempre connosco e nunca a podemos perder. O que nos define não é o que
recebemos, a forma como somos amados, as conquistas financeiras que a sorte, o
trabalho ou uma mistura dos dois nos granjeou. É aquilo que colocamos no
exterior, o que damos, como amamos e o que conseguimos atingir quando nos
libertamos do ego e nos focamos em beneficiar algo ou alguém
desinteressadamente, que deixa a impressão mais duradoura. “Feliz o homem que
no final da vida não tem senão o que deu aos outros” escreveu o escritor
mexicano Armando Fuentes Aguirre numa grande verdade acerca do sentido de
partilha, do altruísmo e da importância decisiva da contribuição individual
para melhoria das condições colectivas.
No
fundo, precisamos de bem menos do que julgamos para ser felizes. Quando nos
encontramos numa encruzilhada decisiva, as listas mentais de objectivos e de
exigências deixam de ter significado perante a imensidão do essencial, que é
conseguir tocar o coração e estarmos inspirados para, com um impulso do
espírito, aceitar os factos que o dia-a-dia nos coloca e extravasar os dons
naturais que todos possuímos.
A
generosidade implica partilhar o que temos em abundância e saber procurar nos
outros aquilo que nos falta para realçar o que somos em conjunto. Implica
trabalhar diariamente, sem pensar nos retorno. É cumprir um papel, sabendo que
a auto-gratificação é por vezes toda o retorno e validação de que precisamos
para continuar em frente.
A
generosidade é uma das asas pelas quais nos tornarmos mais fortes, imbuída de
uma pureza que nada pode destruir, incansável e em renovação permanente. Todo o
coração é capaz de aguentar um pouco mais de dor se conseguir ter um vislumbre
de uma alegria maior do outro lado, se ouvir as notas de uma melodia que nunca
acaba porque é a canção da própria vida.
Comentários
Enviar um comentário