Impasses


Há alturas em que amar e procurar amor se transforma num quebra cabeças de muito difícil resolução, em que as peças não encaixam umas nas outras, como se tivessem vindo da fornadas diferentes. Nada tem uma finalidade lógica e cada facto é amplificado, como se por uma lupa, para pensar e repensar, esperar e desesperar, em flash backups que a nossa mente passa até se render à exaustão ou a uns vislumbres de insanidade. Porque em acontecimentos grandes, há sempre ramificações mais subtis e igualmente importantes, como se de metástases se tratassem e temos medo que ao negligenciar algum dado, as consequências sejam ainda mais desastrosas. Por isso cumprimos a nossa missão de máquinas de auto-tortura racionalizante até ao extremo.
Uma demonstração de afecto, por mais pequena que seja, pode levar-nos ao céu e um dia de indiferença deixa-nos à beira do desespero. Sentimo-nos como um brinquedo a que se dá toda a atenção durante um determinado tempo e em que depois se perde o interesse rapidamente. Partidos por uma frieza que nos mata aos poucos, suga a nossa energia e substituiu-a por um entorpecimento de quem faz tudo ao seu alcance para ter bons resultados e é desiludido uma e outra vez. Por que por mais que caminhe, de nada adianta se o trajecto é todo feito sozinho, se os nossos passos não tiverem um a correspondência simétrica do outro lado, se só se ver a continuação de um deserto à nossa volta e o oásis tiver há muito tempo ficado para trás. Será que vamos sacudir o pó e voltar a tentar para milésima vez como dar a cara ao soco que vem sempre e nos deixa de rastos a sangrar por todos os lados?
O que se pode fazer quando o que nos nutre é exactamente a mesma coisa que nos parece destruir? Quando a causa da própria doença é a única que pode ser a nossa cura? Permanecemos acorrentados às memórias e ao sentimentos porque mesmo quando tudo parece negro e sem esperança não conseguimos deixar de sonhar e esses sonhos envolvem justamente as razões porque caímos e nos perdemos, em primeiro lugar.
Onde está o rumo e a liberdade quando o amor ora faz bem ora faz mal, numa montanha russa que gira em todas as direcções até nos entontecer, num padrão ao que tudo indica sem nenhum sentido subjacente? E não sabemos o que fazer, se os bons momentos podem contrabalançar os maus ou se as palavras não ditas se vão acumular todas na garganta até não haver mais volta, até não haver mais nada além de torrentes de tristeza, de um luto por uma perda que no fundo, era e sempre foi inevitável. 
Uma parte de nós quer continuar, outra quer desistir como se tivéssemos um pé direito dentro de água e o esquerdo em areia firme e ficamos divididas e porque um ser humano qualquer nos despedaçou por inteiro os planos e nos tornou como amálgamas de uma indivisibilidade que afinal era utópia. Porque não somos mais coerentes connosco próprias, não temos uma vontade unívoca e uma identidade bem definida como um diamante laboriosamente lapidado. Somos uma confusão em forma de gente, de restos, de bagagem, de ar e sangue de e uma colecção de incertezas tão infinitas como o próprio universo.
As forças que nos prendem a alguém particular em detrimento de todos os outros são, por enquanto, ainda desconhecidas. Para além do acaso, das circunstâncias específicas e da chamada química, a atracção fica a dever-se única e exclusivamente ao terreno pantanoso das emoções. Gravitamos em volta do que nos fazem sentir e é esse fascínio é que aproxima quando tudo o resto parece separar. Ninguém nos pode trazer conforto porque não sabem o que sabemos nem estiveram na nossa pele quando a vida aconteceu e nos varreu como uma réplica de tornado e nos deixou reviradas, com o coração do avesso, para todo o mundo olhar. No fundo, sabemos que a única saída é atravessar porque do outro lado se encontrará uma resposta para o que vivemos, nem que seja apenas um fragmento de consciência que nos faça sentir melhor, que nos mostre que toda aquela travessia valeu a pena.
Não podemos sentir felicidade verdadeira sem passar pela dor mais profunda, assim como as estrelas mais brilhantes só são visíveis na mais densa escuridão. Assim como, só do caos da penumbra se pode gerar a ordenada luminosidade.



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