A vertigem do abismo
Ao perdermos o rumo temos tendência a olhar
para trás, quase obsessivamente. Tornamo-nos incapazes de reagir e de
reconhecer as oportunidades do presente depois das portas que se fecharem à
nossa frente. Nem todas as provas foram feitas para ser vencidas, algumas
existem apenas para nos ensinar uma lição particular
Não é preciso saltar para um abismo em
queda-livre para saber que ele existe e evitar entrar em terrenos pantanosos.
Há tanto que fica eternamente por viver e por mostrar mas a vontade de fugir
consegue ser mais forte do que de ficar e tocar em verdades que magoam. O
sofrimento assusta, especialmente quando está dentro de nós, é como um
sucedâneo de camadas que apenas deixamos assentar, não queremos revirá-las
porque temos medo do que se esconde nelas.
Torna-se então insuportavelmente tentador
olhar para um exterior. O problema é quando o que existe lá fora consegue ser
duplamente pior do que existe no interior. Deixa de haver lugares seguros e
acolhedores que nos possam abrigar, a utopia desfaz-se, estatelada aos nossos
pés.
O facto é que a vida em si não protege, ataca
sempre. Da mesma forma, não podemos passar o tempo todo na defensiva,
arriscando-nos a nunca nos formarmos activamente; a ser menos verdadeiro que o
mais verdadeiro dos actores, a ser um mero figurante num enredo em que devíamos
ser a personagem principal.
Por vezes é preciso olhar nos olhos o abismo
para sentir a vertigem que nos impele para o lado oposto, a toda a velocidade,
como se estivéssemos a ser perseguidos por chamas dilacerantes. É inevitável
sentir que estamos a pairar até se dar o clique de encontrar o que se busca.
Por mais que se fuja, todos os caminhos irão
desembocar em nós mesmos. Vai haver uma altura em que a nossa imagem nos será
devolvida como um espelho e não poderemos desviar os olhos. E mais cedo ou mais
tarde, descobriremos aquilo que esteve oculto todo esse tempo e tudo o que
ainda desabrochar e florir quando o fizermos crescer. Descobriremos um
contentamento dócil que nos sorve toda a inquietude; uma espécie de paraíso.
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