Inexplicável
Por vezes
somos invadidos por sensações desagradáveis, por uma imensa vergonha
paralisante que me ataca quando menos se espera. Na pressa de alcançar alguma
ordem, tentamos catalogar impressões e sentimentos, racionalizar conteúdos
guardados na memória da pele, para que deixem de causar-nos danos.
Esquecemos
que o amor não tem explicação, simplesmente existe por si próprio. Não obedece
a normas, racícionios, regras, idiossincracias, tem uma índole natural para
além de toda a compreensão humana. Podemos repetir as mesmas ideias uma e
outra vez, na ilusão de que ao conjurar as mesmas palavras possamos finalmente
chegar mais longe, iluminar o que continua a escuridão. Assim, tentamos
levantar um pouco o véu sobre tudo o que nunca dissemos, pelos pensamentos
calados que por nunca terem sido verbalizados são realidades nunca reconhecidas
e escamoteadas no fundo do ser, como se nunca tivessem existido.
"Nunca"
é um termo inexoravelmente forte, assim como "sempre". Não podemos
prometer a constância e eternidade que como ser vivo não teremos. Não a terão o
nosso corpo e feitos, talvez o tenham os valores que nos formam, o
carácter de que somos feitos e os sentimentos que nos revestem o coração.
Dizem-nos
que devemos ser como ramos de árvores que dobram mas nunca vergam, que podemos
ser vencidos pontualmente mas nunca destruídos na integra, que os diamantes são
feitos sobre pressão. E se o amor um dia nos transformar em destroços, cobertos
em pontos improvisados que não sabemos como fazer cicatrizar? E se ventos
contrários nos prenderem completamente os movimentos e não nos deixarem
crescer? Não nos restará outra alternativa senão remover essa linha antiga e
ineficaz e sofrer novamente para procurar uma nova forma de sarar.
Amar
é incompreensível, como um grito surdo proferido que ninguém pode sentir,
submetido pelo facto de alguém ser tão importante que faz tudo o resto deixar
de ter qualquer brilho ou significado. Desenvolvemos a crença de que nada pode
tirar intensidade às alegrias nem atenuar as mágoas; nada nos pode salvar do
estado em que caímos. Sentimos saudades arrebatadoras de todas as coisas: as
boas e as más porque não poderíamos ter uma sem a outra. Aprendemos que as
paredes da euforia se constroem constroem sobre fundações da mais profunda
tristeza.
Paulo
Coelho escreveu que a diferença entre a realidade e a ficção é que esta última
tem de fazer sentido. A realidade, tal como o amor, é um cavalo poderoso e
indomável que trota a seu próprio ritmo, glorioso, avassalador. Tentar explicar
o amor pela lógica da razão tem de fazer sentido mas a verdade, essa, não
poderia estar mais longe.
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