Fases negras


Encontrar palavras para descrever aquilo a que nem sequer se encontra sentido é uma tarefa árdua e não raras vezes, inglória. Contemplar horas a fio um abismo insondável não vai fazer com que lhe consigamos ver todos os traços. Da mesma forma, não vamos ser capazes de compreender o que não é suposto ser acedido pela mente humana.
Só resgatando um pouco da confiança perdida nos próprios actos vitais e de convicções intimas é que é possível ter esperança. Recuperar tecidos danificados é um processo moroso, quase tortuoso, mas traz consigo um preenchimento para este vazio latente, quase atroz, no cerne da condição de todo o ser que nasce para viver e no fim, dizer adeus a tudo o que alguma vez conheceu, a tudo o que alguma foi. Ao próprio privilégio de ter podido ser alguma coisa.
Nem sempre somos capazes de viver conscientes dessa curta passagem que efectuamos, é como um sol demasiado forte que não é possível encarar frontalmente sem cegar. Apenas sentimos calor e brilho quando a vitalidade nos abençoa e gelo e escuridão quando esta nos falta. E amamos coisas, pessoas e lugares para tentar ordenar peças que não batem certo e não nos mostram a visão que queremos. Avançam aparentemente sem um eixo fixo, rodando, alheias a toda e qualquer prece, súplica ou anseio. Para essa ansiedade, só se encontra conforto na segurança conectada com o interior; sem ela o nosso mundo entra em colapso.
Se as portas se fecham diante dos nossos olhos, indisponíveis e decepcionantes não temos outra alternativa senão continuar a fazer para que estas se abram. Para que possamos fazer a travessia e descobrir um espaço melhor. Nem tudo dentro de nós pode ser obscuridade, assim como houve tanto de louvável nos que naturalmente nos antecederam como poderá existir nos nossos sucessores. Porquê preocupar-nos tanto em projectar o que ainda não é real em vez de desfrutar em pleno do que já está connosco, na nossa história, nas memórias que construímos, no que dizemos ou calamos? Afinal, como escreveu Vladimir Nabokov, a nossa existência não é mais do que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão.




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