O fio de Ariadne



Na mitologia greco-romana, o herói ateniense Teseu conseguiu matar o Minotauro que habitava no labirinto, com ajuda de um fio que tinha sido dado pela princesa Ariadne, filha do rei Minos. Graças a ele, após ter destruído a hedionda criatura, Teseu encontrou a saída para o exterior através do novelo que fora desenrolando ao longo do arriscada empreitada e regressa a Atenas com Ariadne ao seu lado, num típico final feliz. Foi aquele fio que permitiu a Teseu saber o caminho de volta e não perder o rumo dos seus passos.
Para a pessoas comuns qual é a bússola que as guia, que as impede de se afundarem nos mares bravios da vida? As âncoras que nos mantêm em segurança à deriva são cada vez mais raras e o mais fácil parece ser perder-se completamente. Saber quem somos e onde estamos complica-se se não tivermos os próprios mecanismos de auto-suficiência desenvolvidos.
Na história de cada um de nós a vida assume uma dimensão tripolar, em que o passado, presente e futuro se encadeiam, configurando uma representação mental individual. Há sonhos, mitos, projectos, uma ideia de destino particular e de desígnio maior que nos levou a este planeta. Contudo, toda a nossa parte mais transcedental e esbarra nos limites da nossa condição terrena e do corpo físico que nascemos para habitar. Como escreveu Ortega y Gasset “Eu sou eu e a minha circunstância”. Atribuímos significado às nossas experiências e sentido às nossas memórias porque de forma quase inconsciente fomos configurados para identificar padrões, prestar atenção aos detalhes, a encontrar o nosso fio de Ariadne no aqui e agora.
A nossa identidade está ligada à finitude que entendemos como certa, o ciclo evolutivo organicista de nascimento, adolescência, maturidade e declínio. A interpretação que fazemos do que nos acontece leva em conta essa efemeridade de surgimento súbito, afirmação sustentada e inevitável desaparição. Porém, a nossa realidade efectiva também se faz da cultura onde nos inserimos, o povo a que pertencemos, cuja história se perde nos anais do tempo e faz vislumbrar uma dimensão de eternidade.
Existimos em nós mesmos mas sobretudo definimo-nos em relação com os outros, com que partilhamos uma situação comum. Não somos um mero produto de factores coercivos mas um somatório das componentes orgânicas, ambientais e sociais que visa construir o seu próprio marco identificativo, que o distingue dos demais e torna único. Queremos um selo que nos valide, qual produto de qualidade certificada, como seres humanos autênticos e valorosos.
Tal como a luz se tem de erguer contra a escuridão e a voz contra o silêncio, a nossa ânsia por felicidade e plenitude tem de se erguer contra o vazio existencial e dor que nos está no sangue.
Ao longo da jornada descobrimos as nossas preferências, desenvolvemos convicções e fazemos pactos que nos garantam protecção e lealdade. No fundo, fazemos do estado natural e selvagem da sobrevivência aquele em que queremos viver. Criamos um espaço de existência civilizado, pacífico, que nos estimule a ir de encontro a novas possibilidades de crescimento, sem esquecer o fio precioso que nos liga a tudo o que como nós sente, pensa e respira.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

O talento de Mira

As cicatrizes das famosas

A história de Marla