Hibernação



Quando pensamos no conceito de hibernação surge-nos na mente provavelmente um grande urso ou marmota, recolhido no conforto de quem tem reservas de gordura corporal suficiente para fazer face ao Inverno sem precisar de caçar para sobreviver. Pensamos também em termos como torpor, letargia, sonolência e inactividade. E quanto a nós, animais racionais, o que faz hibernar os humanos? São muitas coisas na nossa vivência diária que nos fazem ter vontade de fugir de tudo e de nos escondermos num sítio quente e seguro até as tempestades passarem. Mas existem sempre razões para continuarmos a fazer as mesmas coisas, muitas vezes como autómatos, sem saber muito bem porque insistimos nos mesmos actos errados. Há dois motivos principais que nos restantes animais conduzem ao estado de hibernação: o frio e a falta de alimento. E connosco? Porque é que é tão fácil não conhecermos quem somos e passarmos anos, talvez uma vida inteira, hibernados? Um dos motivos mais comumente apontados é a preguiça. Adiamos para amanhã o que podiamos fazer hoje e vivemos num ciclo vicioso de stress, de lamentações e de sensações de não se ser bom o suficiente ou de não trabalhar tão arduamente como os outros, situação essa que podia ser evitada com um pouco mais de disciplina, motivação e força de vontade. E que dizer dos casos em que a constante procrastinação não deriva da preguiça mas tão simplesmente do perfeccionismo exacerbado que nos leva a crer que ainda não é a hora certa, que devemos adiar algo que tão ardentemente desejamos porque ainda não estamos ao nível em que devíamos estar. Ainda não estamos preparados. Talvez esta seja uma desculpa de muitas pessoas para pura e simplesmente a sua falta de coragem e não seja dotada de todo o significado profundo que lhe querem atribuir mas é algo digno de ser pensado. Todos os nossos actos, avanços e recuos, obedecem a um intrincado mecanismo que condicionam a nossa liberdade. Algumas vezes podemos agir a nosso próprio tempo, com consciência e em harmonia com os nossos instintos mas muitas vezes somos forçados a agir, a tomar uma decisão quando não nos sentimos preparados. Essa situação não é de todo negativa: quantas vezes conseguimos coleccionar uma conquista, um triunfo, quando avançámos independentemente do medo e das nossas hesitações, simplesmente porque tínhamos de o fazer, não tínhamos outra opção? Está dentro de nós aquilo que é preciso para encontrar este frágil equilíbrio entre ser e fazer, desempenhar um papel mas não fingir nesse papel, entre manter uma actividade na maior parte do tempo e ter os nossos períodos de hibernação temporária onde tudo é permitido. Se há falta de energia, ela tem de ser restaurada, afinal, a carne humana tem de ter uma estrutura óssea forte no seu interior para conseguir mover-se e aguentar bem as curvas e montanhas russas ao longo do caminho.

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