Plenitude: um mito ou um sonho possível?


No post interior aludi a uma característica que parece ser transversal a todas as relações amorosas: confusão. Estabelecer uma intimidade profunda e harmoniosa que seja como uma ponte entre duas pessoas, fácil de cruzar e de entender, é um feito raro hoje em dia, por vários e distintos motivos. As mulheres queixam-se da escassez de boas companhias masculinas que estejam disponíveis para um compromisso, que sejam interessantes e inteligentes e que tenham todos os parafusos bem encaixados na cabeça. Para além de termos a tendência de nos apaixonarmos pelos homens errados, também queremos, muitas vezes, mergulhar de cabeça numa relação pelas razões erradas. Entre os motivos mais comuns para uma mulher procurar namorado contam-se os seguintes:

. ter alguém com quem ir ao café, ao cinema, com quem passear pela cidade de mão dada e que nos espere quando chegamos a casa

. ter um apoio para resolver os problemas e alguém que nos traga alguma espécie de estabilidade (ou uma ilusão dela)

. poder sonhar com futuro a dois (viagens à volta do mundo, uma casa idílica, um carro topo de gama e uma ninhada de filhos- o menino de azul e a menina com lacinhos cor-de-rosa na cabeça)

Não é de todo um acto ilegitimo querer um companheiro para satisfazer estas e outras necessidades, porém lanço uma pergunta: quando vamos deixar de procurar alguém para nos valorizarmos a nós mesmos ou por razões que surgem atreladas a um relacionamento, como um carro a reboque? Quando vamos simplesmente amar por aquilo que esse sentimento é por si só? Amar uma pessoa, cheia de defeitos e mortal como nós somos, como se ela fosse a solução para todas as calamidades da humanidade e não tivesse absolutamente nada em comum com qualquer outra?
Há um mito da Antiguidade clássica que considero muito interessante de ser analisado e dissecado na actualidade: o Mito do Andrógino. Este surge pela primeira vez na filosofia de Platão e reza o seguinte: no ínicio da raça humana havia o homem, a mulher e a união dos dois, o Andrógino (Andros= homem, Gyno=mulher). Esta criatura era muito feliz e poderosa: era redonda, tinha quatro braços, quatro pés e uma cabeça com duas faces exactamente iguais, cada qual a olhar numa direcção. Podia caminhar erecta, para a frente e para trás e rolar sobre os seus membros, era muito veloz e podia percorrer longas distâncias com grande facilidade. A sua forma redonda devia-se à forma dos seus pais: o homem era filho do sol, a mulher era filha da lua e ele era o seu filhote. A sua força extraordinária levou-os a desafiar os deuses e na sua busca pelo poder, a criatura ousou escalar o Olimpo. Como castigo, Zeus decretou que as criaturas Andróginas fossem cortadas ao meio e condenadas a completar a sua parte amputada para toda a eternidade, dando-lhes desta maneira, uma lição de humildade. O tempo passou e perante o sofrimento das craturas Andróginas que pereciam, Zeus decidiu dar-lhes a possibilidade de, através da união amorosa, poderem recuperar a sua natureza primitiva. Os dois voltariam a fundir-se e a abraçarem, nem que fosse apenas por uns breves momentos, a sua anterior condição de união perfeita e de plenitude.
O vazio interior parece, nos dias de hoje, ser o nosso estado natural e tentamos de tudo para preencher os buracos angustiantes que se abrem dentro de nós. Será o amor capaz de preencher todas as lacunas e fazer-nos acreditar que é um sonho possível? Cabe a cada criatura humana, lidando com as suas feridas e limitações, abraçar um ideal ou um outro ser seu semelhante, que a conforte e a faça sentir mais inteira.

Comentários

  1. Minha amiga, acredito plenamente que para cada ser, um outro lhe está reservado!

    Adorei o post!

    Continua, votos de muito sucesso

    Um beijo da amiga, Inês Raquel

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

O talento de Mira

As cicatrizes das famosas

A história de Marla