O fenómeno do suicídio por contágio

No seu livro "The tipping point", o autor e jornalista Malcolm Gladwell explica como os suicídios na Micronésia (região do Oceano Pacífico ocidental) são sete vezes superiores aos nos Estados Unidos da América, com muitos jovens a optarem pelo enforcamento e a morrerem por anóxia (falta de oxigenação do cérebro). 
É considerado normal os jovens serem, até certo grau antagónicos aos adultos, mas até que ponto se pode explicar um fenómeno com diferentes ramificações como o suicídio? Sabemos que o ser humano funciona por imitação, que o suicídio tem um potencial de contágio, pelo que há meios de comunicação que optam por não os noticiar, a menos que sejam de pessoas renomeadas. 
O que parece passar-se na Micronésia é que a partir dos primeiros jovens que se suicidaram por pequenas desavenças familiares e dilemas românticos, outros se seguiram, tornando a prática algo com que sente uma certa familiaridade e atracção. O suicídio nessa zona torna-se então algo banalizado, culturalmente enraizado, quase como um ritual. Os jovens sentem necessidade de entrar num jogo de experimentação com um acto que simplesmente não o permite. 
Em 18 de Maio deste ano, o cantor, compositor e guitarrista norte-americano Chris Cornell foi encontrado morto por enforcamento. Em 20 de Julho, Chester Bennington, vocalista da famosa banda Linkin Park e amigo próximo de Cornell, suicidou-se pelos mesmos meios. 
O fenómeno do contágio quando se fala de suicídios não é novo. Muito se falou da onda de suicídios desencadeada pela leitura de "Os sofrimentos do jovem Werther" de Goethe, por exemplo. Sabemos que no mundo de rock abundam as substâncias ilícitas que aliciam quem já é propenso a dependências. Chris e Chester eram imensamente talentosos, que transfiguravam os seus demónios interiores em músicas poderosas de letras honestas e cândidas. Basta ouvir "One step closer", "In the end", "Leave out all the rest", "Faint" ou "Numb" dos Linkin Park para experienciarmos lutas pessoais para alcançar a luz através da escuridão e arranjar sentido para um grande sofrimento.As suas mortes abalaram o mundo que com eles cresceu e os seguia e temos consciência de que sofremos uma perda irreparável.
A nível pessoal, "Hybrid theory", o primeiro trabalho dos Linkin Park, foi a banda sonora do meu 8º ano e estava informada sobre as dificuldades da vida de Chester. Estive perto de o ver a actuar no Rock in Rio mas isso não chegou a acontecer e ficar ciente, de repente, que nunca mais terei essa oportunidade, é um murro no estômago. É trágico não termos mais alguém que era um artista extraordinário e, ao que tudo indica, um ser humano extraordinário também.
Os suícidios de Chris Cornell e Chester Bennington deixam um vazio imenso e ainda mais respostas por responder. Acredito que temos de falar sobre morte, temos de falar sobre suicídio para retirar o tabu que circunda este último e para que as pessoas que estão a pensar dar esse passo possam reflectir que não estão sozinhas e que há muitos mecanismos que podem ajudar e pessoas que lhes podem estender uma mão. 
O livro de Gladwell diz-nos que por vezes as nossas decisões não são tão conscientes quanto pensamos e que nos detalhes mínimos se podem esconder factores que alteram drasticamente os rumos dos eventos. No caso do suicídio, acredito que é possível baixar os números estatísticos se nos preocuparmos em criar uma cultura partilhada coerente, rica e expressiva. As pessoas em sofrimento não devem ser ostracizadas apenas porque sentem e pensam de determinada forma. Devem ser ouvidas.
A Sociedade Portuguesa de Suicidologia disponibiliza na sua página várias linhas de apoio telefónico que devem ser utilizadas se se debate com pensamentos de desespero: http://www.spsuicidologia.pt/sobre-o-suicidio/telefones-uteis .

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