O véu das aparências


Vivemos numa sociedade verdadeiramente obcecada pela tecnologia, pelas aparências e por uma informação de quantidade monumental, hora a hora, minuto a minuto. Nunca houve tanto conhecimento disponível e isso não faz de nós pessoas mais esclarecidas, pelo contrário, torna-nos seres mais confusos, impacientes, toldadas por tantos acontecimentos distintos. 
Talvez isso explique a necessidade cada vez mais crescente de auto-documentação  como se na tentativa de eternizar momentos fugazes nos insurgir contra o esquecimento e a voracidade do tempo, que tudo devora no triturador do tempo. Procuramos mostrar-nos num estado de perfeita felicidade, nas actividades mais divertidas, rodeados de amigos e companheiros, como se tivéssemos de provar aos outros que é a nossa vida é boa e válida.
No campo da educação, as falhas são gritantes, agravadas por oportunidades de carreira cada vez mais diminutas e menos aliciantes.  Na maioria dos casos, o sistema de ensino não forma pessoas para ter sentido crítico, para saber filtrar os conteúdos a que acedem ou para terem personalidades minimamente consistentes que as ajudem a aguentar neste firmamento. Pelo contrário, abundam os que andam completamente à deriva num mundo caótico e asfixiante.
O essencial torna-se acessório, coberto por uma exteriorização extrema e desejo de posse insaciável. Vivem-se os 365 dias do ano numa luta sem fim à vista que inclui uma boa parte dos ingredientes seguintes: beleza, dietas, conhecer as pessoas certas, mostrar resultados efectivos (competência, poder de sedução) amor e a maior quantidade de dinheiro possível. A cultura contemporânea é feita de luzes, câmara, accão, sexo drogas e rock n roll. Não entra nada mais na equação da sociedade egocêntrica e emocionalmente canibalista que renega veemente elementos perfeitamente naturais da condição humana.  À margem encontra-se a incapacidade de lidar com o vazio, a solidão e da certeza que nem ter todos os recursos do mundo disposição nos tornariam menos vulneráveis.
Proliferam as frases feitas que se ouvem por todo o lado, com a maior das facilidades, desde “Pensamento positivo” a “Tudo acontece por um motivo” e são repetidas até à exaustão. Execuções sumárias, guerras sangrentas e  escravatura em pleno século XXI são comparados de forma leviana a qualquer dilema pessoal, na altura visto como uma tragédia e que se revelou apenas como o o sal da existência.
Nem toda a beleza socialmente valorizada nem toda a  interactividade actual nos pode consolar quando somos incapazes de comunicar devidamente com uma só pessoa, quando as nossas ideias ficam retidas muitos palmos abaixo da superfície e a nossa aparência não reflecte nada do que realmente somos.
Temos de procurar entender primeiro para desenvolver a capacidade da aceitação, tolerância e para exercer mudança sobre as coisas ao nosso redor.
Uma vantagem do conhecimento é que não permite desculpas rápidas. No fundo, todos queremos uma sensação de integração plena, de ligação a tudo o que existe, de estarmos completamente vivos. Para o sentirmos somos capazes de recorrer a tudo: pessoas, substâncias, objectos, estratégias, o que for preciso. Vamos fluindo entre vontade e acção, o que somos e o que fazemos, o que estamos destinados a cumprir e as alterações que se operam todos os dias dentro de nós.  
Vale a pena olhar atentamente para descobrir o que esconde por detrás das formas enganadoras. Vale a pena acreditar na capacidade de mudar para fazer a diferença, em lutar para identificar e nunca perder o que é realmente importante.

 

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